Marcadores

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Uma amizade inesperada

Era a primeira vez que tomava aquele caminho. Como era a primeira vez, minha mente estava destinada a perceber pequenos detalhes - que só quem cruza um caminho pela primeira vez perceberia.

Sentia uma formiga subindo pela ponta do dedão do pé esquerdo e me perguntava por que raios um inseto que vive em comunidade andaria solitário por vales desconhecidos. Formiga depressiva caminhando sozinha por entre os pêlos de minha perna, eu sentia a sua solidão. Eu sentia e achava engraçado. A estranheza de ser ponte não era massiva, no entanto ela se alojava dentro de mim sempre quando as patas do inseto se movimentavam. Talvez eu seja o último caminho a ser percorrido por aquele ser, talvez eu seja o último. Aquilo era mesmo um pensamento estranho, tão estranho como anunciar a morte ou despedir-se.
Imaginei pequenos dedos tocando meus dedos à espera de um beliscão que me acordasse daquele transe; por isso mesmo aceitei a formiga, enquanto caminhava pela rua a procura de algo.
Olhei o céu e compreendi que as luzes bruxuleavam e o tempo passava — É noite... hora das andorinhas dormirem - , disse um de meus self’s — E dos morcegos fazerem a festa - completou outro. Tirei os chinelos para que o casco do pé sentisse o chão cheio de britas e cacos de vidro. A cidade apagada e eu ali desperto, moendo e sovando o que alguns chamariam de tédio. Imaginei um boneco ou um homem ensaiando um monólogo ou escrevendo um auto — Talvez você seja a única a me fazer companhia hoje – disse para a formiga, que agora se encontrava quase alcançando o meu peito. Esperei a amizade cansar. A ferroada exposta serviu de aviso pra terminar tudo.
Era uma vez uma amiga...