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sábado, 23 de julho de 2011

Piada Batida ou o que não foi dito durante a anedota

Durante as seguintes linhas quero esboçar a arte mais crua do ser humano. A arte de tatear as emoções e tapear idéias dentro de situações corriqueiras; geralmente a arte dos infortunados que dançam aprendizes no tempo. Dramáticos e amorosos, alcançando a precariedade de uma nota. Notáveis artistas de rua, padronizados a pó por uma trama delgada.
Possuidores da independência – me parece mesmo um clã ou uma gangue, e seu sinal convidativo é o tintilar das taças seguido da quebra dos talheres interiores; sinos e mosquitos que são pelo simples fato de exagerar ao máximo sua existência.
E assim foi seguindo uma cadência, até que ele me chamava, o ator melodramático, despretensiosamente levantando sua voz diante de dezenas de pessoas. A música até soou menor, decerto se abafara àquele gesto; e o ritmo malicioso das cornetas de fora tomava conta do lugar.
Aquele ambiente remetia ao que parecia ser naquela hora: remetia a um lugar maldoso, porém convidativo. A fantasia das cenas impostas sobre as cores mornas dos lugares frios; o momento em que anunciava uma revolução consolidada num jogo de passos ríspidos. Levantava a voz sem a notoriedade sindical dos dizeres que me atingiam rápido como banho frio.
Era piada eu sabia. Enquanto admirava toda a massa escandalizada de transeuntes, olhava de canto procurando pelo interlocutor e ele sorria. Ele estava prestes a dar o bote e sem aviso alcançou minha atenção - digno de um holofote. Não, eu não achei engraçado, apenas disse que a piada era boa e pra que ele ensaiasse um pouquinho mais.
O elemento surpresa foi perdido enquanto todos os presentes na mesa aplaudiam aquela situação cômica. E sem o menor interesse ele apertou a minha mão como quem aperta a mão de um amigo - estava quente e viçosa, sentia os dedos do rapaz rechonchudos deslizando como que se apresentasse com certa classe e clareza um personagem; ‘prazer, César, seu criado’ foi o que ele disse enquanto procurava meu olhar analítico.
Sorria; intencionalmente ensaiado.
Seu sorriso despertou uma desaprovação profunda, sorria de canto esquerdo, um modo desmedido de cumprimento, a boca tremendo como que para uma boca não tremer fosse necessário um soco; e acho que todos percebiam – nem por isso deixaram de comentar o talento do rapaz que anunciava novas artimanhas, parece que seria uma chuva de palavras mastigadas que seguia os aperitivos da mesa, parece mas não era de certa forma um escândalo e sim uma incoerêcia – o meu constrangimento com o artista de botequim na verdade era de praxe porque não cedia meus minutos ao tédio do riso condenatório e sim às permutas de nossa comunidade, menino desligado que sou.
Quanto mais ele se aproximava de mim, suas palavras eram rasteiras e com teores dominantes. Podia jurar que um dia aquela bola de neve cairia sobre minha cabeça. Parecia mesmo ser necessário se fazer um show naquele dia. De modo que sobrepujar os insensíveis e toda classe de românticos era praxe para os artistas, condizente de mira incerta que me atingia. Um passo em falso e também seria capaz de aniquilar a cidade de Roma, isso se ela estivesse ali na sua frente e enfaticamente pedisse por um ‘acende fósforo’.
Fogo e água ao mesmo tempo reduziriam os riscos, mas não o teor daquela calamidade.
Cozendo e triturando deixas, era o terceiro comportamento moderno, balbuciando verdades inteiras. Enquanto navalha cortava rente deixando sua pele limpa. Enquanto piada mostrava que a morbidade não estava representada nas dores ou na comédia das almas.
Seguia na forma anfitriã de camadas mais duras e ínfimas; sua castidade alva e tenebrosa indicava os maus feitores que atrairiam possíveis problemas e se ajudasse serviria de bálsamo, antes fosse mais relaxado e não pronunciasse tanta escória. O maior de todos os problemas era o de falar bastante e não prestar atenção nos ouvintes, sequer dava ouvidos ao seu ouvido, por isso pecava e jamais confessaria algum sermão
Indignava-me e insistia a mudar sua personalidade.
As dores mais secretas que seu olhar era permitido em diagnóstico. A sua aparente vista, mas ao nível de maquiagem, encoberta entre os brindes e as comandas quitadas a sua dor mais secreta. A mulher que antes nua se deitava junto ao seu corpo e as carícias de tempos antes, explodia-lhe a mente como combustível de molotov.
Ah, o amor que antes o artista presenciava pela moça; doído por dentro de suas carnes frescas, nuas e untado a gosto. O amor de luta de faca. O amor de marteladas e de ferroadas que ia até a forca.
Deixaria esta moça de lado por um bem maior? Ou refrataria sua nobre solidão? Questionamentos em seus olhos incríveis que de mistérios arraigados entre as poças aturdiam o silêncio das pausas.
...
E o amor.
...
E o ódio e o pavor ao direito de tomar um gole.
De seu trono demarcado a faro e forma, feria a festa.
Criatura que era, abençoada com o dom de beliscar momentos à guisa da candura alheia; merecedora do tesouro cadavérico que o sustenta feito máquina, repetidamente em série única, desferindo caretas azarentas e apontando falhas independentes.
Norteava os bêbados, enfeitava a noite e nesse feito arrecadava sua platéia, menos a mim mesmo que já estava arrecadado pelo incerto.
... E a paixão.
... E agora?
INICIANTE ARTE DE FAZER SORRIR; era seu letreiro mais secreto.