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sábado, 2 de outubro de 2010

A flor desabrochou a noite

Um bar danceteria carioca e o fim de semana esperado. A confirmação de que ainda estou vivo e que possuo lábia. O “sim” de uma garota. O convite aceito. O amigo “vela”, porém o necessário para uma boa conversa. Um amistoso diria, sem mais idéias sobre futebol. Um amistoso social.

O “chop” quente e o batom vermelho da caça, sempre cheios. Retoques e doses de brilho. A linguagem dissimulada com a presença do perfume feminino, perfume caro e intenso. A mulher enfeitava a mesa. Era uma mulher cravejada de sonhos onerosos, esperta e perigosa, com a língua afiada. Capaz de retirar boa parte da conta bancária do sujeito desavisado em um só dia. Uma sereia. E eu hipnotizado, a sua presa.

A vela, que mais parecia um castor, estava armando uma casa, utilizando-se de troncos roubados na represa que se fez o diálogo. Meu diálogo ingênuo e pobre era descartado ou incrementado, dando vantagem ao ouvinte vela, agora ativo einterlocutor e aceso, alias, em rubras chamas.

Já não sabia mais o meu papel? Chamei quem? Se ela, a caça, era um peixe e tanto. Eu não seria um caçador? Minhas habilidades estavam comprometidas naquele ambiente hostil: Pessoas conversando, tudo tão real e ao acaso. Nada combinado. A não ser as músicas repetidas de sempre. Fora isso, imperava as idéias malucas de Darwin, o mais forte sobrevive, o mais forte janta mais tarde. Ah, se eu fosse o peixe, um tubarão denteado. Só assim seria mais fiel ao que penso: todos ali, sardinhas expostas no mercado. Crias suculentas à mostra, em posição de festa e socialização. Troféus à deriva.

Contratos sexuais, novos alcoólicos, novos casais...e eu ali. O antigo, o quadrado do triângulo amoroso. Seria até possível caber o certificado de negação ao óbvio, seria admirável da minha parte achar que o correto era o improvável: de que eu sairia ganhando. E quando eu merecera a vitória? Quando passei a ser o escolhido? Vai ver era um sintoma pré-psicótico. Sempre fui o pré em tudo. Previsível predestinado a ultima prece.

Levantei sem mais palavras, sem discursos e sem ações, emudecido. Vou-me embora frio, como quem esquecera o agasalho em casa. Pude ouvir a última música, a música pobre e infeliz, dentre todas as músicas repetidas que tocaram na minha cabeça, música de cabaré. Eu estava num cabaré.


"Eu tô calmo
Bem a pampa
Desconta o álcool
Da minha conta
Ela não quer ir comigo
Ela quer aquele amigo
Que não é mais meu
Danem-se os dois

Então saio, bolso cheio
Miro na preta
Babo no seio
Desce o salto
Tô com dinheiro

Abriu-se a flor
À meia luz
E cheiro costumeiro
Abriu-se a flor
À meia luz e cheiro
Noite feliz...( pra mim)

Pra mim você e seu parceiro
A barracuda e o castor
Não sabem como é ser feliz
Dormi do lado de uma flor"

Cumpri a música e senti um gosto de primavera no outro dia.