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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Setembro

Lá vinha um, e novembro, mais uma, e novembro sempre por perto. Hoje já agora, antes tarde. Menos mal, minuciosamente firme, levanta e vai. De copo em copo e água e barro e filtro de chão. Cinzas no cigarro, bolhas de fumaça, uma em forma de coração e imagina – recebia o décimo terceiro antes. Ria e ria e roía unhas. Em paz, na espera, justamente por hora e o chá verde e morno, ia. Ouvia passos, pés estranhos, partindo o assoalho vizinho; como se andasse um mal educado pela casa. Crianças em suas traquinagens e a rua impedindo que o barulho que o atentava se manifestasse - meninos atinando meninas ao primeiro beijo, e o beijo. Não sabia onde estava ao certo, seria em seu quarto ou em sua cabeça, o que seria não sabia ao certo, por isso mesmo mantinha-se quieto, extasiado em um sonho. Não fez nenhum teste, apenas deixou que sua metade se manifestasse, gradativamente. Sem melodrama, apanhou os chinelos e sua arma mais secreta, aproximou-se da porta.

O som rompia no ambiente, mesclando o processo desarmônico da vizinhança - maldito cortiço em que vivemos – seus ouvidos rejeitavam a idéia de gostar, agia na mesma potência de receber visita com vassoura na porta. Queria gritar, mas desaprovava tal atitude, era como se inserisse na situação e não era isso o que queria. Silêncio era o que queria; silêncio e o que fosse creditado em sua conta. Era angular e pendia para o lado das queixas. Ficava por isso sua embarbação, o começo de uma revolta interna, explodia por dentro e sentia vergonha em sua falta de expressão ou notoriedade, talvez fosse descartável e sincero, ou duvidasse muito de sua importância.

Voltou pra casa em sua cefaléia diurna de parentes distantes, suas condições precárias e os alugueis. Ligou a TV e o bate-papo do sofá; aquela alegria que certamente era intangível, os sucos de melancia o atormentavam, e os de morango. Como se todo o dia fosse o mesmo, o relógio marcava seis horas. Todo esse ensaio pra que fosse outra preparação, era o que sempre reclamava, depois de ferver a panela com água e açúcar e servir o café. Brindava e sorria àquele sentimento de abraço gostoso de inverno, de ter tudo por um instante, o rei ocupava seu trono, em meio a tanta miséria e barulhos nocivos; e as doenças da manhã não lhe afligiam nesse pequeno instante, livre da chuva que agora se manifestava pelo vidro, e que limpava toda aquela gente simples que recolhia roupas limpas e encharcadas dos varais. Se olhasse tal situação era quando somente esquecia a janela aberta e o frio queria companhia, fora isso, pouco lhe importava, ou o era perceptível, pelo que diziam era bom moço, mesmo sendo aterrador qualquer deslizamento ou assassinato que urge afora, e ele praticamente seguro e inocente, em meio a sua visão televisiva de sofás e sucos desprezíveis.

Enquanto o pão apodrecia, os mosquitos colocavam ovos nas calhas, uma mulher em sua mente a fita-lo, o despia, era provocante e o chamava para a cama. Dizia ele que seria comportado e não faria barulho, preparava o bote, era a hora mais esperada do dia, quando ela se ajeitava e perturbava seu juízo, ralhando suas imperfeições, que no fundo, no fundo, ela adorava. Dizia de sua solidão e falta de calor humano, jogava verdades na lata de lixo enquanto se fartava de provocações. Era de tamanha teimosia que podia modificar seus modos, por pura insistência.

Como duas metades se pertenciam, e ele a imaginar, vivendo nessa lâmina cega, sem sentido e de fim incerto, e ele e ela, só ele era, o único que amava o bastante para dar bom dia aos pivetes e aos barulhos preciosos dos homens, quando e somente quando se encontrava catatônico de amor, em pleno mês de setembro.