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domingo, 6 de novembro de 2011

Hora do recreio

Filho,há quanto tempo está a olhar essa senhora; Há pouco, respondeu o garoto; Não acha que devias desviar os olhares e fixar nas crianças; Não, acho que deveria procurar conversa com outro; Acho que deveria ir brincar, olha, já é recreio e a professora substituta está a arrumar a gincana; Não acho que sair dessa árvore e aprender com as estagiárias seja vantajoso nessas circunstâncias, o sol está queimando e eu prefiro estar na sombra, olhar aquela senhora naquela cadeira e nada mais; Isso seria melhor do que se comportar como um patife; Exatamente, e assim me comporto feito um bobo, pois na hora da chamada quem irá responder pelas faltas sou eu e não a senhora - ralhou; Então achas mesmo que deveria se privar de ser um garoto normal e ir brincar de pique com os demais; Não deveria, mas acho que os demais não me querem no recreio e nem em suas rodas de jogos, receio que será assim para sempre, até o fim do semestre; Mas por que – incita a professora-; Porque nenhum deles é capaz de enxergar o mundo como eu enxergo, vê, alguns deles jogando queimado e sendo felizes, mas sabem que na hora da merenda o arroz está em falta, por isso poupo minha virtude e não caçôo de nenhum aluno; Mas existem tantas meninas que deveriam ser aproveitadas pela sua nobre beleza e a merenda está a melhorar a cada dia; Meninas estas que só apontam os dedos esmaltados para os meninos esbeltos e, me desculpe professora, nunca fui e nunca serei esbelto da maneira como elas pintam, algumas já até adultas possuem esse erro demarcado e intransferível, e não quero discutir leis darwinistas enquanto a senhora usa de toda a sua psicologia pra me tirar dessa árvore, apenas deixe meu corpinho quieto enquanto os 30 minutos de tolerância acabam; Dizem que você é um dos piores alunos; E sou, porque não me ensinam a viver nesta instituição,como deveriam; Então aprenda nos livros; É o que estou fazendo, mas os livros apresentam carência e eu fomento esta carência nessa árvore que nem os frutos pode me proporcionar, somente a sua sombra. E é o que sou. Uma sombra para o retrato da turma de final de período, e não espero mais do que o abraço de meus pais e as felicitações de fim de ano, esses meninos lindos que passam a jogar bola serão os mais felizes enquanto eu me declino e talvez passe a ficar em casa por muito mais tempo que o aconselhável. Mas me disseram que és um bom matemático e que irá se safar das provas finais; Sou um bom estatístico e sei das minhas faltas, também sei de minhas qualidades e que destas , durante o recreio, não se manifestam; Mas é atípico da sua parte ser tão solitário, vejo que eras um bom companheiro e que tinhas companhia durante todo o período; Não sou solitário, apenas aceitei minha situação tal qual deus designou para mim, e meus companheiros se dissiparam, procurando por suas batalhas, todos líderes aliás; Então tens qualidades de liderança; Não sei, só sei que quando vejo os garotos enfileirados para me empurrarem no término do folguedo e quando me impedem a pronunciar meus pensamentos, sei de tudo, mas prefiro por enquanto guardar meus segredos enquanto eles se divertem e eu preso nesse sistema educacional não posso me alforriar das amarras documentais e vigilantes desta instituição; Então és um pequeno artista, esperando a fase infanto-juvenil ser dissipada; Não, sou como este casulo no cume da árvore, consegue ver; Sim , perfeitamente... Então o que espera é o desligamento de suas origens; Espero o desabrochar de uma nova consciência em que todos me tratem como igual; Mas você mesmo se difere dos outros; Ouça, eu sou diferente e já tenho essa noção, desde sempre, mas não é um sistema como esse que irá me adaptar , minhas acomodações são mais primitivas; Ninguém é igual a ninguém e se são primitivas por que espera muito em troca destes fedelhos; – argumentou a professora em busca de um apoio - Porque eu ainda acredito no mundo e na mudança das estações, e enquanto ele gira, dessa árvore sem frutos me acalento, e aquela senhora solitária busca o mesmo que eu, por isso me identifico com ela, que da mesma forma teve os anos corrompidos pelo tempo e as amizades conchavadas; Mas você quer ser como ela ou acreditaria que somente no nascimento de um novo sentimento ressurgiria a tão sonhada paz interior; Quero ser como ela, mas só que diferente, quero desabrochar do cume dessa árvore infrutífera e vociferar ao estado o tamanho do meu desânimo, pois eu sei que existem outros tal como eu, como aquele menino ali por exemplo, na soleira, esperando a mãe depois de levar uma surra dos coleguinhas, ele é um de mim que por hoje não conseguiu a liberdade de escolha mas sim a segurança paterna, ele estará com os pais ou a empregada bem antes do sinal tocar, o que é um alívio; E você assistiu a tudo de camarote, por que não ajudou seu amigo; Porque estou em desvantagem e é sobre isso o que eu estou tentando lhe explicar, estamos agindo sozinhos, enquanto o mundo não parar para refletir o degrau em que estamos, e eu continuo naquele cume daquela árvore professora, esperando os segundos passarem lamentavelmente; BANG! Já está na hora de voltar para a sala; Primeiro a senhora; Vou entrar junto com você, pois acredito na sua mudança, mas só quando sua nota melhorar; Ah, isso só quando o tempo me bastar e essa tempestade passar.

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