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domingo, 22 de abril de 2012

Acampamento ao interior

Tinha escolhido o momento certo. O agora sairia tão cedo e cumpriria sua meta, esbabaçando-se no desejo de chegar ao cume. Montanhas, cachoeiras e águas termais se organizavam entre sua lista de desejos. Tantas são as belezas naturais daquele lugar inóspito, sua cabeça tomando decisões, e os goles de coragem. E vou-me agora, disse, enquanto se despedia de um banho de chuveiro. A mala pesada daquele rapaz, tão pesada quanto mala de moça, e para quê tanto? Se lhe servia somente alguns trapos nessa admirável aventura. Com outra visão de mundo talvez se lembrasse de que ainda estava vivo. Enfim pegou o malote e foi sem ajuda de mapa algum. Uma bússola sim, certamente apontava-lhe o norte avisando que chegou a hora de descansar. O peso daquele ecossistema sob suas costas e isso porque seu sentimento de desbravador era muito mais forte do que os adornados arqueiros das tribos subjacentes; seu pensamento era maior do que as páginas de um livro. Cumplicidade selvagem, com folhas secas e nenhuma fagulha, um momento que soou praticamente intacto, uma fervura feita da gotícula do orvalho, que por hora impedia a finalização combustiva dos gravetos no diesel daquela linha esportiva. Aventureiro que era, feito provador que degusta um momento, pensou duas vezes antes de escrever a primeira palavra. O “agora”, que dependia de seus prazeres descontados. Os dizeres que não foram computados durante a longa jornada que o seguia.
Enquanto sua saúde ainda permanecia em alta, os dedos ainda cortavam o caminho e a navalha ainda era afiada. "Não vou querer acender a luz que emana de minha aura e demarcar minha trilha nesse instante". Estava só. Só, para poder mostrar às inquietudes divinas estas misérias e incertezas que o cercavam; e para mim ou qualquer outro não se deixava passar batido quitar as contas em qualquer lugar, mas sim em “minha parceira paisagem”. E dessa afirmação saía um monstro negro que de tão banal legitimava da maneira mais simples seus passos. Tinha armadilhas pelo trajeto. Onças pintadas e macacos-prego por toda a parte. Enquanto admirava aquela fauna acendia um cigarro. E como um raio a notícia de seu aparecimento se tornou matéria prima sintética.
Precisa-se de doutores da mente e, em especial, do coração. Em meio à floresta amam-se os pássaros e apreciam-se as variedades do ambiente em fase clímax. Um manguezal enfeitado com animais se sobressai sob o efeito da neve que causou tal descoberta como sua, e a foto estampada na próxima edição geográfica de um jornal local- assim como uma dose de gelo no cérebro que o fizera atirar o cigarro contra a pintura verde semelhante aos quadros feitos da terra; e a neve tão rara fazia sua aparição, tão inverossímil que não calha e nem caía em um país tropical. O fogo em profusão, lambendo o que aparecia pela frente e o balde de água feito lança chamas limpando o que era a ser descoberto.
Por conta de tais atos ele abandonava qualquer esfriamento e concentrava-se na chama de seus chacras. Em pleno tropicalismo das falácias curativas, como naquele programa de desintoxicação, animava-se às melhoras dos caminhos internos.
Sem incomodar ou dar-se conta do perímetro em que se encontrava, o rapaz aqui citado adentrava a floresta do pensamento com seu arsenal de sobrevivência: um canivete na boca, uma arma carregada no bolso e um cantil que sempre se apresentava ora com água, ora com teores alcoólicos e proibidos pela instituição que se apoderava de suas vestes militares; se dele houve a sobrevida e as graças de seus passos, não se sabe. Somente se apoderará a bandeira de sua nação. Se houvesse um hino e o hasteamento da bandeira vermelha – todo o possível ‘vinho’ no final da tarde agora não dependia da entrega e da presença de uma mulher, mas sim de uma simples fagulha. E era sim bem simples se as damas estivessem por lá. Elas seriam do tipo qualquer; aquelas que falavam sozinhas e faziam falta nas conversas despretensiosas. Mesmo de ambos os lados, em qualquer direção havia a fumaça. Quando encontrados, chama e carne estariam a sorrir até mesmo lembrando quando da criação da estirpe do mundo. Pari-las e as deixar fugir pelas cercas voláteis, numa deplorável inquietude que nem mesmo restariam comentários ou lembranças era o mais fácil a ser executado. Mas preferiu guardar para a próxima visita.
Ele prostrou- se ao seu destino, e então de dentro das folhas procurava extrair as essências nobres e o verde mapa que, passado algum tempo, complementava sua pele feito camuflagem. O rapaz que ora roçava em samambaias - enquanto desbravava a mata - deixava sua coceira se manifestar o mais naturalmente possível. Alegrava-se com sua alergia, um verdadeiro sobrevivente. Punha-se a experimentar os produtos de sua mochila, o repelente, os insetos e as armadilhas para os animais das tocas. – ou deveria esquecê-los e pedir ajuda - aquela urticária que necessitava de antialérgico – Era possível e simples viver feito uma cobaia. Antes fosse esta a sua classificação. O silêncio perpassava da bolsa à barraca recém-montada nas colinas. E até a noite se ajeitou para os testes, parecia negra. Despertou sem nenhuma picada, um verdadeiro milagre.
Um acampamento para nunca ser esquecido.