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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Encontro às escuras

Vlad acabava de abrir seus olhos vermelhos. A cidadela estava fria e se apresentava com seu manto noturno de uma forma notória, embalando suas crias. Vlad acendia um cigarro, inquieto, meio inconformado com o silêncio desse ecossistema urbano elétrico. Ele era um ser furioso. Sua ira era mais forte que o seu sentimento de abandono - adornado dos genes de seus antepassados. A aceleração de suas asas em modo de espera, no qual o seu desejo por novilhos de tribos remotas fossem necessários – e maior do que o escritor que preza pelas páginas de um livro era sua adoração bem quista por tais seres que o desejavam; em todo o caso, se estes ingressarem naquela noite tremula já era demasiado progresso.

Todos procuravam pela felicidade nas esquinas emporcalhadas e imploravam somente por qualquer amizade interesseira que arranjasse surpresas escandalosas entre quatro paredes. Estava cansado de tentar aprontar qualquer injeção e derramamento de sangue novo, de não contrair as doenças humanas mais populares. Vlad era imune nesse quesito - mesmo este sendo necessário para a perpetuação da raça humana - esta fagulha não mais o atormentava há séculos. Por fim, de uma distância considerável, se aproximava um vulto. Seus olhos compridos miravam cintilantes em direção ao que seria sua nova amizade ou até mesmo o personagem que agravaria sua saciedade. Cumplicidade selvagem, com folhas secas e nenhuma fagulha, um momento que soou praticamente intacto e imperfeito, feito da gotícula do orvalho uma fervura que se esvai pelo céu, aplicando a finalização combustiva dos encontros, dissipando cada passo como diesel daquela linha desportiva, aventureira e que necessitava de alerta. O que na mente do monstro – ora posto como Vlad - se passava era a língua a experimentar o corpo feito provadora que degusta a última ceia. Vlad não iria querer acender a luz que emana de sua ausente aura só pra poder mostrar às inquietudes divinas sua fúria estridente, estas que pra Vlad, meu caro leitor, são tão banais e ilegítimas, tendo em vista que dele aproveitou-se o tempo, se esta sombra se aproximasse ele não possuiria mais discernimento entre o bem o e mal no instinto de sua linhagem.

Tão ilegítimas como sangue coagulado eram suas ideias, seus valores impecáveis aflorando para o personagem que de passo em passo assinalava um encontro – retirando-lhe de completo as evidências de um crime, a nuvem negra supracitada podia ter ou não dentes afiados, um corpo fechado a um desafio e até mesmo um nome. Desembargada e destituída de medo ela se aproximava – pelo visto causaria um entorne verborrágico, talvez se aquela boca cumprimentasse decentemente seu adversário seria trágico. O crime do beijo da morte é o crime da morte em si. A morte de um não assassino, mas o homicídio registrado e mal interpretado pelos homens. Ocorreu o que não se esperava, Vlad estava cara a cara com outro de sua espécie.

Em princípio não quiseram os olhares. Vlad agia errante e procurou pela primeira inscrição à sua vista. “Precisam-se de doutores do coração” era o que aquelas pupilas vermelhas conseguiam ler no letreiro de um poste, voou inescrupulosamente pelos arredores da cidade e não encontrou abrigo, então retornou. Tinha de pensar muito antes de agir. Em meio à floresta, para os homens de boa fé que amam os pássaros e as variedades do ambiente clímax, para os leões que amam as carnes macias e para os morcegos as frutas podres. Um manguezal enfeitado com capivaras não decai sob o efeito da neve intrusa que causou tal descoberta, como se tivesse como congelar seu corpo já frio - e a falta de problema era a solução para ambos. A neve tão rara no mês de novembro era vermelha e agradável. Advinha das maças dos rostos que hora envergonhados se chocavam contra os dentes de ambos, tão inverossímil que tudo o que calhava em um manguezal fazia parte de alguma histeria. Os dois feito mosquitos sequer sugavam sangue, atormentados os bulidos, vencendo os limites de um passo já delimitado pela morte.

Ele abandonava qualquer esfriamento, em pleno tropicalismo das falácias curativas daquele programa de desintoxicação que se passava boca a boca; entre seus conselheiros, animava-se às melhoras dos amigos internos que voltavam a si dos desmaios de loucura e se retornassem ao que eram antes daquele toque iriam pastar noutros campos, literalmente.

Sem incomodar ou dar-se conta do perímetro em que se encontrava, Vlad adentrava a floresta do pensamento com um canivete na boca, uma arma carregada no bolso e o cantil que sempre despojava, ora com água, ora com teores alcoólicos, proibidos pela instituição que se apoderava de suas características, proclamadores estes, também como vinho seco, já em bolsa térmica como corpo quente. E se dele houver a sobrevida, a graça se apoderará – todo o possível ‘vinho’ dependia da noite e da presença ou falta de uma mulher carnuda e venulosa – aquelas que falavam sozinhas faziam falta, mesmo que aquele beijo vanguardista ajudasse a sair pelas cercas farpadas as detestáveis matracas.

Prostrou- se ao seu destino, e de dentro das folhagens procurava extrair a essência e o verde que atordoava sua pele. Vlad roçava e deixava sua coceira ser mais natural possível. Punha-se a experimentar o produto do outro, feito repelente, que desaparecia o ardor – ou deveria sucumbir àquela urticária – um cobaia de lábio, antes fosse esta a classificação esperada por ambos -, perpassava da bolsa à barraca recém-montada nas colinas. E até quando a noite se ajeitou para os testes finais e de forma inesperada as mulheres apareceram às pencas, pois sentiam a fragrância estranha do amor pela morte. Fizeram a festa não como um massacre, mas sim como o que era esperado pelas donzelas, um amor que transpassasse a barreira da vida. Despertaram sem nenhuma picada, em um acampamento para dois. Fazia um dia frio e nebuloso, saíram para outra aldeia antes que os jornais aparecessem e relatassem o que sobrava de uma boa notícia.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Verdades sobre o Picles

Picles emagrece; picles com molho shoyo , picles cru. Mais de um milhão de picles para os pratos dos brasileiros, feito auxílio na merenda escolar. Mistos-quentes de picles recheados com vento. Picles é fibra, por isso mesmo seu recheio é líquido e flui como rastros de lesmas. Um picles para matar a sede desértica dos homens faraônicos.

Na cidade onde só se viam os “legumistas” vendendo suas poções verdes mágicas, era notável a venda de picles, ó internacional alquimia. Entre tantas qualidades de hortaliças, o picles gritava na feira para ser devorado e adquirido a toneladas após degustação. Na lancheira dos estudantes uma maçã e suco de laranja com picles. Assim como a esfinge, os picles queriam ser decifrados. Não se sabe o porquê do divórcio com as alfaces e a preferência pela monogamia destas leguminosas - um prato só com picles é de bom tamanho. Nem mesmo os testes laboratoriais mais eficientes souberam dizer o motivo dos picles serem tão importantes, salvo o baixo número de calorias e o teor vitamínico e mineral.

O molho shoyo não foi tão eficaz quando na solidão de seus sais. O líquido negro misturava-se com as leguminosas menos badaladas, fato é que necessitava de acompanhamento e tampouco servia de aperitivo para os vegetarianos mais esquerdistas. O molho shoyo necessita somente daquilo mais importante ; necessitava de picles, mas o caso era que o picles não necessita do molho shoyo. É complicado entender que o mundo apresenta essas formas de interdependências. Eu venho com meu molho salgado e você vem com sua leguminosa balsâmica. O mundo foi feito num prato cataclísmico onde estes continham dentre todas as coisas picles frescos. Na maioria das vezes, quando não se cuidava do jardim, alguns picles morriam desidratados, por isso mesmo se diz: Se alimentem de picles e sejam felizes ao regar o jardim; no mais, lutem a favor do transito intestinal que estes lhe proporcionam. E queiram bem o vaso sanitário, pois só picles salva.

Eu não quero fazer apologia aos vegetais, mas picles são criminosos na questão das saladas mistas. Vivem juntos aos seus parceiros e não abrem mão de um vinagrete qualquer. Mesmo assim saíram da prisão com as fianças dos chefes de cozinha e o apoio do ministério da agricultura. Mais uma de suas virtudes: Os picles roubam suas gorduras e ninguém mais sabe de nada. Onde as benditas se esconderam no seu corpo, sem resposta para os ignorantes.

São como esponjas, é o que dizem, e vieram de longe feito banda de rock para tomar conta dos pratos dos naturalistas. E, em meio às notícias fantásticas, encontraram um poeira cósmica feita da mais importante semente de picles, enfim uma raridade datada pelo espaço gastronômico. Todo picles sabe dominar sozinho a demanda de uma cozinha/restaurante e fica bem na mesa de qualquer classe social. As carnes têm inveja dos picles, pois quando elas são resfriadas perdem muito de suas fibras e ficam feito manequins no refrigerador esperando na última estação serem devoradas nos pratos, enquanto estes são servidos frescos e na hora. Os repolhos invejosos são apaixonados pelas bainhas rodadas dos picles, estes porque não causam tanta flatulência quando dissecados. Todo picles procura por sua salada, mesmo no prato dos egoístas dietéticos. A salada comum acompanha tomate, alface e cebolinha, já o picles não faz parte dessa leva, ou quando se faz é abstraído e trocada por um esquizótipo, como a couve-flor.

Marilene estava seguindo ordens da patroa; esta que pedia naquela noite uma salada de picles; mas como achar importante leguminosa ainda fresca no supermercado? Era necessário tomar medidas drásticas. Ir até a casa da irmã curandeira, aquela que possuía um jardim completo de ervas e afins. O molho de picles saiu barato, em troca de erva cidreira e figo. Marilene sorriu, pegou a caneta e começou a anotar as receitas da irmã. "Eles bem picadinhos ficam ótimos como acompanhante de salada, não deixe o picles agir sozinho em uma apresentação, pois ele não tem qualidades pra ficar como protagonista”. Todo picles mal resolvido espera por um massacre estomacal, onde só os gordinhos têm a ciência de seus poderes; mas, geralmente, são estes que os abraçam nos famosos acompanhamentos.

Marilene estava prestes a cortar os talos quando foi interrompida pela patroa; ela queria que colocasse os tomates maduros de sua horta a venda. A patroa queria aprimorar e conciliar os menus, já que suas vendas estavam declinando. Então ela pegou o picles mais parcelado e curtido, e tratou com um bom banho de vinagre. O picles relaxou e descansou, até ser beliscado no provatório e comido na mesa 23 daquele estabelecimento. Gerou uma conta de 56 reais, e foi servido como acompanhamento para o hambúrguer. Os picles foram devorados com fritas e valiam aproximadamente 3 reais a porção. Vida longa ao picles no prato dos naturalistas!Vida longa!

domingo, 6 de novembro de 2011

Hora do recreio

Filho,há quanto tempo está a olhar essa senhora; Há pouco, respondeu o garoto; Não acha que devias desviar os olhares e fixar nas crianças; Não, acho que deveria procurar conversa com outro; Acho que deveria ir brincar, olha, já é recreio e a professora substituta está a arrumar a gincana; Não acho que sair dessa árvore e aprender com as estagiárias seja vantajoso nessas circunstâncias, o sol está queimando e eu prefiro estar na sombra, olhar aquela senhora naquela cadeira e nada mais; Isso seria melhor do que se comportar como um patife; Exatamente, e assim me comporto feito um bobo, pois na hora da chamada quem irá responder pelas faltas sou eu e não a senhora - ralhou; Então achas mesmo que deveria se privar de ser um garoto normal e ir brincar de pique com os demais; Não deveria, mas acho que os demais não me querem no recreio e nem em suas rodas de jogos, receio que será assim para sempre, até o fim do semestre; Mas por que – incita a professora-; Porque nenhum deles é capaz de enxergar o mundo como eu enxergo, vê, alguns deles jogando queimado e sendo felizes, mas sabem que na hora da merenda o arroz está em falta, por isso poupo minha virtude e não caçôo de nenhum aluno; Mas existem tantas meninas que deveriam ser aproveitadas pela sua nobre beleza e a merenda está a melhorar a cada dia; Meninas estas que só apontam os dedos esmaltados para os meninos esbeltos e, me desculpe professora, nunca fui e nunca serei esbelto da maneira como elas pintam, algumas já até adultas possuem esse erro demarcado e intransferível, e não quero discutir leis darwinistas enquanto a senhora usa de toda a sua psicologia pra me tirar dessa árvore, apenas deixe meu corpinho quieto enquanto os 30 minutos de tolerância acabam; Dizem que você é um dos piores alunos; E sou, porque não me ensinam a viver nesta instituição,como deveriam; Então aprenda nos livros; É o que estou fazendo, mas os livros apresentam carência e eu fomento esta carência nessa árvore que nem os frutos pode me proporcionar, somente a sua sombra. E é o que sou. Uma sombra para o retrato da turma de final de período, e não espero mais do que o abraço de meus pais e as felicitações de fim de ano, esses meninos lindos que passam a jogar bola serão os mais felizes enquanto eu me declino e talvez passe a ficar em casa por muito mais tempo que o aconselhável. Mas me disseram que és um bom matemático e que irá se safar das provas finais; Sou um bom estatístico e sei das minhas faltas, também sei de minhas qualidades e que destas , durante o recreio, não se manifestam; Mas é atípico da sua parte ser tão solitário, vejo que eras um bom companheiro e que tinhas companhia durante todo o período; Não sou solitário, apenas aceitei minha situação tal qual deus designou para mim, e meus companheiros se dissiparam, procurando por suas batalhas, todos líderes aliás; Então tens qualidades de liderança; Não sei, só sei que quando vejo os garotos enfileirados para me empurrarem no término do folguedo e quando me impedem a pronunciar meus pensamentos, sei de tudo, mas prefiro por enquanto guardar meus segredos enquanto eles se divertem e eu preso nesse sistema educacional não posso me alforriar das amarras documentais e vigilantes desta instituição; Então és um pequeno artista, esperando a fase infanto-juvenil ser dissipada; Não, sou como este casulo no cume da árvore, consegue ver; Sim , perfeitamente... Então o que espera é o desligamento de suas origens; Espero o desabrochar de uma nova consciência em que todos me tratem como igual; Mas você mesmo se difere dos outros; Ouça, eu sou diferente e já tenho essa noção, desde sempre, mas não é um sistema como esse que irá me adaptar , minhas acomodações são mais primitivas; Ninguém é igual a ninguém e se são primitivas por que espera muito em troca destes fedelhos; – argumentou a professora em busca de um apoio - Porque eu ainda acredito no mundo e na mudança das estações, e enquanto ele gira, dessa árvore sem frutos me acalento, e aquela senhora solitária busca o mesmo que eu, por isso me identifico com ela, que da mesma forma teve os anos corrompidos pelo tempo e as amizades conchavadas; Mas você quer ser como ela ou acreditaria que somente no nascimento de um novo sentimento ressurgiria a tão sonhada paz interior; Quero ser como ela, mas só que diferente, quero desabrochar do cume dessa árvore infrutífera e vociferar ao estado o tamanho do meu desânimo, pois eu sei que existem outros tal como eu, como aquele menino ali por exemplo, na soleira, esperando a mãe depois de levar uma surra dos coleguinhas, ele é um de mim que por hoje não conseguiu a liberdade de escolha mas sim a segurança paterna, ele estará com os pais ou a empregada bem antes do sinal tocar, o que é um alívio; E você assistiu a tudo de camarote, por que não ajudou seu amigo; Porque estou em desvantagem e é sobre isso o que eu estou tentando lhe explicar, estamos agindo sozinhos, enquanto o mundo não parar para refletir o degrau em que estamos, e eu continuo naquele cume daquela árvore professora, esperando os segundos passarem lamentavelmente; BANG! Já está na hora de voltar para a sala; Primeiro a senhora; Vou entrar junto com você, pois acredito na sua mudança, mas só quando sua nota melhorar; Ah, isso só quando o tempo me bastar e essa tempestade passar.

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